Mercantilismo

MERCANTILISMO

     A doutrina e a política mercantilista situam-se numa fase histórica precisa: a do capitalismo mercantil, etapa intermediária entre o esfacelamento da estrutura feudal, de um lado, e o surgimento do capitalismo industrial, de outro.
     O sistema feudal, estrutura sócio-político-econômica típica da Idade Média Ocidental, resultou, fundamentalmente, do declínio do Império Romano e da deterioração de seu regime escravista de trabalho. Em linhas gerais, pode-se descrever o processo de feudalização como a distribuição de terras entre os senhores e a simultânea transformação dos trabalhadores rurais em servos de gleba. O regime feudal foi-se desenvolvendo, até atingir a plenitude de suas características, do século V ao X da Era Cristã.
     Em seus momentos iniciais, o feudalismo promoveu um grande desenvolvimento das técnicas e dos instrumentos de produção. O aparecimento do arado de ferro, o aperfeiçoamento da viticultura, da vinicultura, da horticultura e também da criação de equinos, ao lado de outras realizações materiais, assinalaram, de maneira expressiva, o referido progresso. No entanto, apesar de seus êxitos momentâneos, o sistema de produção feudal, depois de uma prolongada crise, entrou em colapso.
     Numa perspectiva global, a desintegração do regime feudal de produção derivou dos abalos sofridos pelo sistema, em decorrência do ressurgimento do comércio a longa distância no Continente Europeu. Efetivamente, a ampliação do raio geográfico das atividades mercantis provocou transformações relevantes na estrutura feudal.
     A abertura do Mediterrâneo à presença ocidental, possibilitando o comércio com o Oriente, e o conseqüente aumento do volume das trocas entre regiões europeias, até então comercialmente isoladas, geraram um universo econômico complexo, diante do qual o feudalismo reagiu de modos diversos. De um lado, nas áreas próximas às grandes rotas comerciais, onde a presença do comerciante era constante, o desenvolvimento do setor mercantil e da economia de mercado levou a uma natural dissolução dos laços de dependência servil. Do outro, em regiões menos desenvolvidas comercialmente, onde o contato com o mercado era privilégio das elites dominantes da sociedade feudal, o renascimento comercial promoveu, numa primeira fase, o reforço dos laços de servidão.
Realmente, vitimado pela febre do consumo, atraído pelo número crescente de bens supérfluos colocados à sua disposição pelos mercadores, o senhor feudal, carente de renda, passou a tributar pesada e diferentemente os seus servos. Pouco a pouco, a camada servil, para atender às necessidades financeiras dos seus senhores, deixaria de pagar suas contribuições em produtos para fazer contribuições em dinheiro. Assim, progressivamente, os servos, agora obrigados a trocar sua produção por moedas, passariam a vender o produto do seu trabalho nas feiras e mercados urbanos. Dessa forma, em breve, a cidade capitalizaria o campo.
     Essa alteração da taxação senhorial, acompanhada da exigência de quantias cada vez mais elevadas, fez da servidão um fardo insuportável. Em conseqüência dessa situação opressiva, milhares de servos abandonaram os campos, buscando melhores oportunidades nas áreas urbanas. Outros, aqueles que permaneceram nos feudos, esmagados por tributação abusiva, foram levados à violência. Logo, a Europa Ocidental conheceria a explosão de inúmeras insurreições camponesas - fenômeno típico do período final da Idade Média. Assim, uma grave crise social no campo abalaria os alicerces do feudalismo.
     Nas cidades, a expansão do mercado e o crescimento das atividades de troca estimulavam as diferenciações sociais no meio urbano: os mestres enriquecidos tornavam-se capitalistas; os mais pobres — oficiais e aprendizes — transformavam-se em assalariados. As atividades artesanais, insuficientes para atender à crescente demanda, mostravam claros sinais de decomposição. A proletarização de grande número de produtores simples, agora desprovidos de seus instrumentos de produção levaria a crise social para dentro dos muros das cidades, através de inúmeros motins urbanos no Ocidente Europeu.
     Todas essas tensões sociais, que assolaram os campos e as cidades do Velho Mundo, refletiam as radicais alterações sofridas pela estrutura feudal em função do desenvolvimento da economia mercantil. Sem dúvida, as mudanças foram substanciais: o crescimento do mercado e o impulso dado às trocas acelerando o declínio do feudalismo, condicionaram realidades econômicas complexas e até então desconhecidas. Logo o Continente Europeu sofreria a especialização regional da produção. Com efeito, áreas inteiras, atingidas pela economia mercantil, dedicaram-se à produção de gêneros exclusivos, umas procurando nas outras o que não produziam e oferecendo ao mercado seus bens. Assim, a especialização das atividades produtivas — a divisão social do trabalho alargaria o universo das trocas, originando, a longo prazo, um mercado interno prenunciador dos mercados nacionais. Em pouco tempo, regiões europeias, secularmente separadas entre si, passariam a ser ligadas pelo incessante fluxo de mercadorias através de movimentadas rotas comerciais.
     Não obstante, o regime feudal, mesmo decadente, ainda apresentava obstáculos ao progresso das atividades mercantis. A Europa era vítima de uma contradição: sua velha realidade política, o feudalismo, conflitava com sua nova realidade econômica, o comércio a longa distância. De fato, a permanência dos feudos, unidades políticas isoladas e plenamente independentes, contrastava com o movimento de alargamento dos mercados. Dessa forma, o sistema feudal, caracterizado pelo particularismo político, pela fragmentação do poder e pela total autonomia tributária, ao retalhar o Continente Europeu, retardava o ritmo de crescimento do comércio. Impunha-se, portanto, a extinção do fracionamento feudal. Nesse ponto residia o núcleo da maior fonte de tensões sociais e políticas no final da Idade Média.
     O desenvolvimento das novas formas econômicas de produção e comércio passou a depender da superação das profundas e persistentes crises que marcaram o desaparecimento do sistema feudal. Um novo regime político, que permitisse a solução daqueles problemas sociais, se fazia necessário, sob o risco da dissolução das novas conquistas econômicas. Os Estados Nacionais e as Monarquias Absolutistas foram a resposta àquela exigência.
     As monarquias absolutistas foram instrumento político empregado na superação das crises determinadas pela desintegração do feudalismo. Efetivamente, a unificação territorial e a centralização política dos Estados Nacionais europeus, rompendo o isolacionismo dos feudos, possibilitaram o disciplinamento das tensões resultantes da expansão do setor mercantil. A primeira função da monarquia absolutista foi a manutenção da ordem social interna dos Estados Nacionais, mediante a sujeição de todas as forças sociais — do plebeu ao nobre — ao poder real.
Em breve, o Estado Nacional centralizado desempenharia um segundo papel: o de estimular a expansão das atividades comerciais. No fim da Idade Média, o comércio europeu chegara a um impasse: a economia do Velho Mundo, além de abalada pelas tensões sociais provenientes da crise do feudalismo, sofria uma severa depressão monetária. A Europa, possuidora de pequenas reservas de ouro, contava basicamente com linhas externas de abastecimento do precioso minério. Tal situação provocou uma enorme competição entre os principais centros de comércio, todos eles interessados no domínio exclusivo das grandes rotas mercantis.
     Os mercadores italianos de Gênova e Veneza controlavam o setor comercial mais importante da época (século XV): o de produtos orientais. Os demais núcleos mercantis — ingleses, holandeses, franceses e ibéricos — tiveram, portanto, de buscar novas e melhores rotas. Entretanto, a abertura de novas frentes de comércio dependia de uma ação ousada: a penetração no oceano desconhecido. Esse empreendimento, a par de envolver uma grande margem de risco, requeria uma quantidade de meios financeiros superior às possibilidades das empresas mercantis medievais. Na realidade, tão grande mobilização de capital e rentabilidade a longo prazo da aventura marítima tornaram-na inviável para as precárias estruturas empresariais então existentes. Somente uma forma organizacional mais sofisticada, como a do Estado Nacional, poderia levantar os recursos, humanos e materiais, necessários à tarefa de desbravar os oceanos.
     Há uma íntima conexão entre esses dois processos quase simultâneos: a formação dos Estados Nacionais europeus e a expansão ultramarina. Na realidade, Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França só puderam lançar-se à corrida colonial à medida que se estruturaram internamente como Estados Modernos, isto é, centralizados e unitários.
     As conquistas ultramarinas e o conseqüente desenvolvimento da economia européia, propiciaram, a um grande número de pensadores europeus, a elaboração de um projeto teórico que serviria de guia para o estabelecimento de uma política econômica que era favorável ao fortalecimento dos Estados Nacionais e ao enriquecimento de suas camadas mercantis. Esse conjunto de doutrinas e normas, que caracterizaram a história e a política econômica dos Estados europeus, ficou conhecido pela denominação genérica de Mercantilismo.
     O Mercantilismo teve um objetivo preliminar estritamente prático e imediato: estabelecer as diretrizes econômicas do Estado Nacional centralizado. Por essa razão, não partiu de uma conceituação científica pura ou de uma contemplação desinteressada da vida econômica. Ao contrário da maioria das correntes da Economia Política, percorreu o caminho inverso: as diretrizes mercantilistas nasceram da intervenção concreta na realidade econômica, assumindo a forma inicial de uma série de receitas para superar os obstáculos que dificultavam a expansão da economia de mercado e a prosperidade das nações. Mais tarde, plenamente amadurecido, o Mercantilismo firmou-se como uma teoria sistemática de explicação da realidade econômica. Isto, entretanto, resultou da necessidade, experimentada pelos defensores das medidas mercantilistas, de justificar, no plano teórico, a exatidão de suas normas e recomendações práticas.
     Apesar das variações de Estado para Estado e de época para época, houve uma série de princípios comuns que orientaram a política mercantilista. O metalismo incentivava o acúmulo de ouro e prata, com o objetivo de facilitar a circulação de mercadorias. Era fundamental para os países arranjar novos mercados consumidores para poderem comprar a baixos custos e vender os produtos a preços mais altos. Assim, uma balança de comércio favorável era indispensável à política econômica mercantilista. Para conseguir isso, restringia-se a importação de manufaturas, através do protecionismo. As colônias complementavam a economia da metrópole, consumindo as manufaturas e fornecendo matérias-primas e metais preciosos. A única maneira de realizar grandes empreendimentos era a formação de monopólios, onde os capitais eram unidos para monopolizar um ramo da produção manufatureira. O monopólio pertencia ao Estado absolutista, e era transferido aos burgueses em troca de pagamento. No intervencionismo estatal o Estado intervinha na economia de acordo com os seus interesses, visando o fortalecimento do poder nacional.
     Nos países europeus o mercantilismo foi adaptado de acordo com os recursos naturais disponíveis em cada um.
    No mercantilismo espanhol, no século XVI não foram muito desenvolvidos o comércio e a manufatura, já que à Espanha o ouro e a prata bastavam. Até mesmo suas colônias eram abastecidas por manufaturas estrangeiras. O rápido esgotamento dos minérios gerou a desvalorização da moeda, e conseqüentemente, uma grande inflação, que prejudicou a classe mais pobre (assalariada) mas beneficiou a burguesia de toda a Europa.
     O mercantilismo inglês era fundamentalmente industrial e agrícola. A política econômica inglesa era sempre bem planejada. O governo incentivava a produção manufatureira, protegendo-a da concorrência estrangeira por meio de uma rígida política alfandegária. Houve a formação de uma burguesia industrial, que empregava o trabalho assalariado e era dona dos meios de produção (máquinas, galpões, equipamentos).
     O absolutismo atingiu sua maior força na França, onde o Estado intervinha na economia de forma autoritária. O desenvolvimento da marinha, das companhias de comércio e das manufaturas mantinham a balança comercial favorável. O mercantilismo francês atingiu seu ápice com o rei Luís XIV. Era um país essencialmente agrícola, com o preço de seus produtos mantidos baixos para que os trabalhadores pudessem se alimentar e não reclamar dos baixos salários, o que era favorável para os manufatureiros. Mesmo com o incentivo e intervenção estatais, a França enfrentava uma forte concorrência com a Inglaterra e a Holanda.
     O exemplar mercantilismo holandês atraiu muitos estrangeiros, que abandonavam seus países devido às perseguições e com seus capitais favoreceram o crescimento da Holanda, modelo de país capitalista no começo do século XVII. Era dominada pelas grandes companhias comerciais, tendo o poder central muito fraco, e desenvolvendo as manufaturas e o comércio interno e externo. Além disso, o intervencionismo estatal não existia neste país. Foram organizadas nesse país duas grandes companhias monopolistas holandesas, com o objetivo de colonizar e explorar as possessões espanholas na Ásia e luso-espanholas na América: a Companhia das Índias Orientais (Ásia) e a Companhia das Índias Ocidentais (América). Através do desenvolvimento das manufaturas e do poderio dessas companhias, durante o século XVII a Holanda conseguiu acumular um grande capital.
     O principal objetivo do mercantilismo era o desenvolvimento nacional a qualquer preço. Ao adotar uma política econômica orientada pelo Mercantilismo, o Estado Moderno buscou propiciar todas as condições de lucratividade para que as empresas privadas exportassem o maior número possível de excedentes. Assim, o aparelho estatal absolutista incentivava o processo de acumulação de capital por parte de sua burguesia mercantil. Com essa finalidade, todos os estímulos passaram a ser legítimos, até mesmo aqueles que, eventualmente, viessem a prejudicar o bem-estar social. Por isso, o Mercantilismo pregava uma política de salários baixos, além de crescimento demográfico descontrolado, como meio de ampliação da força de trabalho interna. Dessa forma, o Estado Moderno garantia o barateamento dos custos da produção nacional, visando à conquista dos mercados estrangeiros. Paralelamente à proteção dispensada ao processo de acumulação de capital da burguesia mercantil, o Estado Nacional, a título de retribuição, fortalecia-se pela aplicação de uma rígida política tributária.
     Dessa forma, percebe-se então, que Estados Absolutistas e Capitalistas Comerciais são dois pólos interagentes de uma mesma realidade: a superação do modo de produção feudal e o surgimento do capitalismo moderno. Em resumo, foi o desenvolvimento do Estado Nacional absolutista que garantiu a ascensão da burguesia mercantil.
     Entretanto, a implantação do Estado Absolutista, por si só, não assegurava a expansão do ritmo das atividades da burguesia comercial. Na realidade, a camada mercantil ainda deparava-se com inúmeros entraves de ordem econômica. Esses obstáculos — tais como a depressão monetária, a carência de matérias-primas em solo europeu e a relativa pobreza dos mercados continentais — geraram a necessidade de apoios externos para manter o processo de acumulação de capital. Nesse sentido, atuaram como poderosas alavancas a expansão ultramarina e as economias coloniais.
     O mercantilismo não foi um sistema econômico e, portanto, não pode ser considerado um modo de produção, terminologia que se aplica ao feudalismo. O mercantilismo é a lógica econômica da transição do feudalismo para o capitalismo.

Referência Bibliográfica

FALCON, Francisco. Mercantilismo e Transição. São Paulo, Brasiliense, 1981, 11ª ed., 1990.

AQUINO, JACQUES, DENIZE e OSCAR. História das Sociedades. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1929, 26ª ed., 1993.

CÁCERES, Florival. História Geral. São Paulo, Moderna, 1949, 4ª ed., 1996.

VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo, Scipione, 6ª ed., 1996

Comentários