ARTE CRISTÃ PRIMITIVA
Chama-se ARTE PRIMITIVA CRISTÃ a arte dos cinco primeiros séculos do aparecimento do cristianismo.
Divisão A Arte Primitiva Cristã divide-se em dois períodos: antes e depois do reconhecimento do Cristianismo como religião oficial do Império Romano. O reconhecimento do Cristianismo como religião oficial do Império Romano foi feito pelo imperador Constantino, no Édito de Milão no ano 330 da nossa era. - A Fase Catacumbária
A fase anterior ao reconhecimento chama-se Catacumbária, porque as suas principais manifestações ocorreram nas catacumbas, cemitérios subterrâneos, verdadeiros hipogeus, nos quais os primeiros cristãos sepultavam seus mortos e mártires. A fase catacumbária estende-se do I século ao início do IV século, precisamente ao Édito de Milão.
- A Fase Cristã Primitiva
A fase posterior ao reconhecimento, quando o Cristianismo deixou de ser perseguido e substituiu, oficialmente, entre os romanos, as crenças do paganismo, tem sido determinada Arte Latina por alguns historiadores. Deve ser chamada, porém, de modo mais adequado, Arte Cristã Primitiva propriamente dita.
Essa fase, Arte primitiva Cristã, desenvolve-se dos anos de 330 ao de 500, quando as artes do Cristianismo começam a dividir-se em dois grandes ramos - um oriental e outro ocidental. As Artes Bizância e Romana
Ao contrário do ocidental, o ramo oriental da Arte Cristã Primitiva aparece mais cedo, naquele mesmo ano de 500.
É a arte Bizantina, que denomina-se assim, porque o seu principal centro de irradiação foi a antiga cidade grega de Bizâncio, transformada em Constantinopla, no ano de 330, pelo imperador Constantino, para servir de nova capital ao Império Romano. A arte bizantina reúne várias influências - gregas clássicas, asiáticas e europeias. Dura praticamente mil anos, desde o reinado do Imperador Justiniano, notável por suas leis e iniciativas administrativas, meados do século VI, à conquista de Constantinopla pelos turcos, em 1453, data convencionalmente escolhida para marcar o fim da Idade Média e o início dos Tempos Modernos.
O ramo ocidental da Arte Cristã Primitiva vai definir-se mais tarde, no século X, através de lentas e diversificadas elaborações. Nessas elaborações estilísticas, intervém numerosos fatores históricos e sociais, como as invasões dos povos chamados bárbaros, e sensíveis às influências orientais, particularmente bizantinas, pela importância econômica e política de Bizâncio no mundo medieval.
Esse ramo ocidental recebe a denominação de Arte Românica, porque as suas formas derivam fundamentalmente de Roma antiga, apesar das influências diversas que vão recebendo do decorrer dos tempos.
Antes dessas formas românicas, ente os séculos VI e X havia na Europa ocidental as artes dos povos bárbaros, os quais, uma vez instalados nas regiões conquistadas, vão dar origem às modernas nações europeias. Essas artes dos povos em migração não possuem, porém, características definidas.
A Fase Catacumbária
Estende-se do século I ao início do século IV. Corresponde, portanto, à época das perseguições movidas aos cristãos, com maior ou menor intolerância e crueldade, por imperadores romanos. A perseguição desenvolvia-se praticamente em todo o Império, em algumas partes com mais brandura, especialmente em certas regiões da Ásia Menor, nas quais houve mesmo tolerância com a nova religião, que se misturava com velhos cultos pagãos locais, vindos dos egípcios e caldeus. Por isso mesmo, ali são mais precoces as transformações da primitiva arte cristã.
Arquitetura - Sendo uma religião perseguida, alvo da vigilância e repressão das autoridades, as práticas cristãs se faziam ocultamente.
Desse modo, na fase catacumbária, não existe praticamente arquitetura. Pensou-se, durante muito tempo, que os fiéis se reunissem no interior das catacumbas para celebração do culto. Está provado hoje, por investigações arqueológicas, que faziam dentro de residências, em Roma e outras cidades, geralmente à noite, sob o temor da prisão, tortura e morte. As catacumbas serviam apenas para o sepultamento. Nos primeiros tempos, os cristãos eram sepultados nos cemitérios pagãos. Deixaram de fazê-lo por dois motivos: primeiro porque adotaram a prática da inumação, contrária à incineração, usada pelos pagãos; segundo, porque os pagãos consagravam os cemitérios ás suas divindades.
Nas residências, utilizavam salas, com altares improvisados, para os ofícios divinos, os ágapes ou banquetas de amor, como se chamavam, depois transformados na cerimônia da missa. Algumas casas mais ricas chegaram a possuir uma espécie de templo, com disposição e instalação adequadas.
Não podem ser considerados obras de arquitetura os trabalhos, muitas vezes toscos, de sustentação de paredes e tetos ou ampliação de espaço, executados nas catacumbas. Estas, como sabemos, se constituíam de galerias subterrâneas que se cruzam e entrecruzam, em diferentes níveis, superponde-se, constantemente, em extensões consideráveis de centenas de quilômetros.
As galerias de circulação, estreitos corredores, denominam-se ambulacra ou ambulatórios. Os corpos eram depositados em nichos retangulares, chamados loculi, abertos na parede se superpostos em fila. Uma placa de mármore ou de pedra, com o nome do morto acompanhado de piedosa invocação, fechava a abertura. Quando se reuniam diversos loculi em sepulturas de família ou pequenos altares, dava-se a denominação de cubiculum. Os loculi maiores possuíam um arco, às vezes sobre colunas. Era o arcosolium, continham geralmente um sarcófago de mármore. Algumas galerias recebiam aeração e luz por aberturas superiores, lucerna.
Em algumas catacumbas, construíam-se criptas, para deposição de ossos de mártires ou despojos de papas, muitas das quais no primeiro século do reconhecimento. Nas catacumbas de Santa Priscilla, existe a capela grega, e nas de São Calisto, a Cripta dos Papas, ambas de Roma. São pequenos recintos, tetos abobadados ou planos, sustentados por arcos e colunas, decorados de pinturas e com vestígios de escultura em estuque. Em resume, estes os três elementos arquitetônicos existentes nas catacumbas. Catacumbas - As maiores catacumbas e mais famosas são as de Roma, ao longo das grandes e históricas vias imperiais, pois as leis romanas proibiam o sepultamento no interior dos recintos das cidades.
Evocam a memória de santos e mártires, chamando-se São Pretextato, São Sebastião, São Calisto e Santa Domitila. Existiram também em outras cidades italianas, em Nápoles, Siracusa, assim como na África do Norte e Ásia Menor. Não serviram, como dissemos, à celebração de culto. Foram cemitérios e locais de reunião e refúgio, nas épocas de maiores perseguições. Em Roma, são hoje locais de visitação turística e peregrinação. Para construí-las, os cristãos escolhiam terrenos apropriados ou aproveitavas as escavações deixadas pela exploração das jazidas de pozzolana, que é uma rocha vulcânica porosa, que se triturava para obter uma espécie de cimento, utilizado no preparo da argamassa de construção. Transformadas em catacumbas, as antigas galerias de pozzolana foram ampliadas e solidificadas.
Quanto aos terrenos, preferiam os de tufo, tufa granolare, camadas do subsolo constituídas de sedimentos e depósitos de matérias pulverulentas, acumuladas pela água, que formam uma pedra compacta, também porosa, utilizada em construção. A caprichosidade do traçado das catacumbas resulta da resistência ou impropriedade do subsolo que os operários cavadores, chamados fossores, iam encontrando. Nas pinturas catacumbárias aparecem ingênuas e tocantes homenagens a esses trabalhadores. Depois do reconhecimento, ou da paz oficial da Igreja, os cristãos foram abandonando-as como locais de sepultamento. Preferiam enterrar os mortos nos terrenos das igrejas e conventos ou cemitérios públicos. Entre os séculos IV e VII, transformaram-se em locais de peregrinação. Receberam decorações, altares e criptas. Os peregrinos retiravam e levavam relíquias de santos e mártires, em tamanha quantidade, que as autoridades eclesiásticas se viram na contingência de intervir, proibindo semelhantes práticas. A partir do VII século, caíram no esquecimento, por todo o resto da Idade Média estiveram praticamente ignoradas. Em plena Renascença, sob emoção popular fácil de imaginar, principalmente quando ia no auge a luta contra a reforma protestante de Lutero, foram redescobertas por acaso em 1578. Um antiquário romano, Antonio Bosio, estudou-as num livro Roma Subterrânea. No século passado, seus estudos foram ampliados por um arqueólogo italiano João Battista de Rossi (1822-1894), que publicou obras ainda hoje fundamentais pela objetividade e segurança das informações. As demais catacumbas, em outras partes do mundo, inclusive catacumbas de cristãos heréticos e judeus, foram igualmente objeto de investigações e estudos que entre novas descobertas ainda hoje se desenvolvem, para melhor conhecimento das manifestações iniciais da arte cristã primitiva.
Escultura - Um traço geral observa-se nas criações dos primeiros tempos catacumbários: o rudimentarismo da técnica e a pobreza de expressão. São obras de inspiração popular, elementares de execução e ingênuas de sentimento, reveladoras de suas origens entre artesãos ou artistas improvisados, senão autodidatas. Explica-se o fato pela difusão inicial do Cristianismo ter sido feita entre as camadas sociais inferiores do Império, homens e mulheres do povo, trabalhadores, escravos e bárbaros, sem os requintes de técnicas e expressão dos artistas a serviço das classes superiores dominantes e ainda paganizadas.
Só mais tarde, quando a nova crença começa a difundir-se também entre as camadas sociais elevadas, capazes de mobilizar artistas profissionalmente formados e capazes, por sua vez, de exprimir os ideais estéticos, passa-se a observar melhor nível técnico e expressivo, sobretudo no século anterior ao reconhecimento. Mas, de uma forma ou de outra, não se encontram muitas esculturas nos primeiros tempos. Os cristãos eram tomados de natural prevenção contra a estatuária, temerosos do pecado da idolatria, que condenavam e denunciavam nos pagãos. As estátuas das divindades mitológicas, nuas, regulares e de belas de formas que falavam aos sentidos, eram encarnações do mal aos olhos cristãos, sugestões do demônio, tentações da carne, que cumpria evitar e destruir.
Sabe-se que, nessa fase e, principalmente, depois do reconhecimento, os cristãos lançaram-se, num zelo fanático e cego, insuflados pelos sacerdotes, à destruição de ídolos pagãos. Desapareceram assim, irreparavelmente, numerosas obras de arte da antiguidade clássica greco-romana. Os crentes da religião, agora perseguida procuravam salva-las por todos os meios, enterrando-as muitas vezes e legando-as, involuntariamente, aos nossos dias.
Quando se amortecem os extremismos doutrinários dos primeiros tempos e os perigos da idolatria parecem atenuados, como também as prevenções com o naturalismo sensualista da escultura pagã, surgem os escultores cristãos primitivos, mesmo nas catacumbas e durante as perseguições.
Esses artistas voltam-se, natural e compreensivelmente para tipos humanos e os temas ornamentais da escultura helenística pagã. O Cristianismo ainda não criara os seus tipos ou a sua iconografia, valendo-se dos modelos existentes que jaziam no subconsciente coletivo e da experiência de artistas formados dentro das tradições greco-romanas. Os escultores, aplicam-se, de modo especial, à execução de sarcófagos de mármore, numa literal imitação dos modelos romanos.
Na técnica e na expressão, esses sarcófagos são pagãos, transposições dos baixos relevos peculiares da decadência da escultura romana. As figuras são bem proporcionadas e realistas, tocadas de sentimento helenístico na representação de cenas do Velho e do Novo Testamento. Na face lateral, um medalhão, um busto do morto, geralmente marido e mulher, numa reminiscência dos usos funerários etruscos. Apresentam naturalmente variações de técnica e de estilo através dos tempos.
Na categoria de escultura, podem ser mencionadas figurinhas em cerâmica de animais e pássaros simbólicos, a pomba, o peixe, o leão, a águia, o pavão, o cavalo, assim como lâmpadas funerárias, geralmente de barro. Há também numerosos vasos de cerâmica. Acreditava-se tivesse contido sangue de mártires, por vestígios de coloração avermelhada. Numerosos autores os consideram, porém, recipientes de perfumes e óleos aromáticos. Pintura - Desde os movimentos iniciais da propagação da nova fé, os cristãos defrontaram-se com o problema de criar a sua imaginária, em outras palavras, a representação de Deus e de Cristo, da Virgem e das cenas das Escrituras Sagradas, ao lado das verdades e dogmas da fé.
Como representar, por exemplo, a Anunciação, a Natividade, o Batismo e a Eucaristia, conforme os sentimentos e as idéias dos cristãos? Esses problemas de simbologia e de plástica foram sendo solucionados através dos tempos, pelos pintores catacumbários, entre sugestões e influências inevitáveis do mundo pagão. As primeiras decorações catacumbárias, figurativas ou ornamentais, sã ingênuas e simples, obras de verdadeiros autodidatas. Tendem inicialmente ao simbólico e abstrato, revelam depois influências do modelos greco-romanos, que estavam aos olhos de todos. Muitas vezes são desenhos de incisão, executados a fresco sobre uma camada de estuque, desaparecidos em grande parte ou apenas visíveis hoje, nos traços gerais. No desenho e no colorido, os autores são frustrados, sem maior segurança técnica e poder de expressão. Com o passar do tempo, adquirem maior destreza e melhores recursos de expressão. São agora sensíveis à influências da pintura romana erudita, particularmente a pompeiana de finalidades decorativas. Os pintores aplicam o claro-escuro, combinam com maior variedade as cores e proporcionam bem as figuras humanas. Aparecem os primeiros mosaicos coloridos catacumbários, que mostram influências orientais e sugestões dos desenhos de manuscritos.
Os artistas usam símbolos variados, há símbolos abstratos, como um círculo, que representaria Cristo, por associação com o disco solar. O disco aposto numa cruz poderia ser simbolicamente a Crucificação, cena cuja representação foi evitada nos primeiros séculos. A simbologia cristã primitiva é muito rica, sendo melhor, neste momento, resumir dizendo que, ao lado dos abstratos, multiplicam-se os símbolos figurativos. Os mais comuns são o peixe, a pombinha com o ramo de oliveira no bico, o pavão, a âncora, o lírio, o cacho de uva, a espiga de trigo, dentre outros. O peixe era Cristo, pois as inicias das palavras gregas Jesus Cristo de Deus Filho Salvador formam ichtus, peixe em grego. A pombinha com o ramo de oliveira no bico, alusão ao episódio de Noé. O pavão, símbolo da eternidade. A âncora, salvação pela firmeza da fé e, muitas vezes, a cruz do Calvário. O lírio, pureza, o cacho de uva, o sangue de Cristo, como a espiga de trigo, o pão da Eucaristia. A serpente, entre os pagãos, símbolo das energias da terra, passa, entre os cristãos, a símbolo do Mal. Alguns episódios sagrados representam-se com especial preferência. São sempre os mesmos - Noé na arca, Abraão preparando-se para sacrificar Isac, Jonas vomitado pelo monstro marinho, Daniel na cova dos leões, os três jovens hebreus na fornalha, Suzana e os velhos. Os milagres de Cristo são poucos e também sempre os mesmos - a recuperação do cego, a cura do paralítico e a ressurreição de Lázaro. A preferência dos pintores por esses temas, é que na Igreja de Antioquia, centro prestigioso de Cristianismo, recitava-se à cabeceira dos moribundos uma oração, depois conhecida e popularizada em Roma. Nessa oração fazia-se referência aos episódios que os pintores passariam a representar com tanta insistência nas catacumbas. Por outro lado, os pintores apoderaram-se de muitos símbolos da mitologia, conferindo-lhes significação cristã. Orfeu, por exemplo, com sua lira aplacando as feras, passou a simbolizar o próprio Cristo, amainando, com a palavra divina, as paixões do mal. Ulisses, amarrado ao mastro da embarcação, resistindo às sereias, era a alma cristã, que resistia à tentação dos pecados. Eros e Psique são representados, mas como símbolos da alma que se une a Deus pelo amor.
Isto não é de admirar. Nos primeiros séculos, os padres buscavam apoio das verdades da fé nas profecias das próprias sacerdotisas pagãs, observa Raoul Rouaix, que chama a nossa atenção para as sibilas da mitologia, pintadas por Michelangelo, no teto da Capela Sistina do Vaticano, numa sobrevivência dessa tradição.
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